A chegada do
coronavirus evidenciou a importância de uma ferramenta jurídica
consolidada, mas pouco difundida no Brasil: o testamento. Os cartórios
registraram um crescimento de 70% na procura por testamentos, certamente em
razão de a doença ser mais agressiva na população idosa, considerada grupo de
risco. Mas, esse procedimento não ganhou importância apenas agora. Aos
poucos, a sociedade tem compreendido a importância de antecipar e organizar os
efeitos patrimoniais gerados pelo falecimento, pelo fato de que a sucessão
legítima possui amarras que um planejamento sucessório pode resolver.
O testamento é uma
disposição de última vontade, em que o titular dispõe total ou parcialmente de
seu patrimônio, bem como outras disposições sem cunho econômico, tais como
reconhecimento de filho, disposição do próprio corpo para fins científicos,
deserdação de herdeiro necessário, nomeação de um tutor para os filhos
incapazes deixados, dentre outros exemplos. Trata-se de um ato personalíssimo,
com eficácia após a morte, com formalidades exigidas por lei, unilateral,
gratuito e revogável a qualquer tempo.
Segundo a advogada
Natália Lima, especializada em Direito Sucessório, "o regime jurídico
testamentário é um tanto arcaico, tendo em vista que não acompanhou a evolução
tecnológica e ainda possui muitas formalidades, o que acarreta dificuldades
para fazimento de testamentos. Agora na pandemia, essas formalidades
prejudicarão ainda mais, já que ainda que os cartórios estejam abertos, existem
pessoas que não podem ir até eles, quer seja por serem idosos e/ou por serem de
grupo de risco, e ainda pelo fato de que os serviços de atendimento no
domicílio pelos cartórios terem sido suspensos de modo geral.
É importante frisar
que, que as formalidades de institutos jurídicos não podem se valer quando
inviabilizam a essência de um direito, ou seja, impedem a garantia de um
direito individual indisponível. Deve-se prevalecer a vontade do outorgante,
ainda que haja preterição de formalidade do testamento, o que nesse caso,
ocorrerá a conversão substancial do negócio jurídico. "
O PL 1179/20 que
tramita na Câmara dos Deputados e dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e
Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do
coronavírus, seria o projeto de lei ideal para aprovação de uma espécie de
testamento particular de emergência, durante a pandemia. Mas parece a sugestão
feita por especialistas como o Professor Flávio Tartuce, até então não foi
aceita e não irá vingar.
A sugestão se dá no
campo do testamento particular, sem testemunha, disposto no art. 1879 do Código
Civil, em circunstância excepcional. Esse artigo seria aplicado para os
testamentos a partir do dia 20 de março de 2020, termo inicial dos eventos
derivados da pandemia do coronavírus. E, todos esses testamentos deveriam ser
ratificados posteriormente na presença de 3 testemunhas no prazo de 90 dias, a
contar do término da pandemia no Brasil.
"Mas, mesmo
que o testamento particular emergencial não seja aceito, nada impede que seja
realizado como tese jurídica. O Superior Tribunal de Justiça já vem decidindo
no sentido de flexibilizar as normas que regulam o direito das sucessões, e de
priorizar a vontade do testador. Acredita-se que, após a pandemia, a referida
tese será muito utilizada e aceita em grande escala nos tribunais do país,
tendo em vista que será talvez a única solução para aqueles que queiram testar
nessa época de coronavírus e garantir que sua vontade seja cumprida",
finaliza Natália Lima.
Natália Lima é
especializada em Direito Sucessório e Imobiliário, com pós graduação em Direito
Público e Privado. Contatos e consultas pelo telefone: (21) 98243-3664 e email: contato@direitocomnatalialima.com.br
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